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Tela demais, cuidado de menos: Exposição digital pode gerar transtornos psiquiátricos em crianças e adolescentes

 

 Tânia Rêgo/Agência Brasil

No sofá da sala, na mesa da cozinha, na cama, no banheiro, nas rodas de conversa, em eventos sociais ou até mesmo em momentos improváveis — o celular está sempre presente na vida e na rotina das pessoas. As histórias rolam, os vídeos passam, o jogo continua, as notificações chegam uma atrás da outra e os olhos se perdem no brilho dos dispositivos, enquanto o mundo ao redor parece ficar em segundo plano. 

As interações presenciais perdem espaços para engajamentos virtuais, e o tempo diante das telas vai passando quase sem ser percebido. Para crianças e adolescentes – geração Z, nascidos no final dos anos 1990 e meados dos anos de 2010 – a situação é ainda mais crítica, pois, muitas vezes, esses hábitos começam, ainda, nos primeiros anos da infância e levanta preocupações sobre os impactos no desenvolvimento cognitivo, no âmbito comportamental e, acima de tudo, na saúde psíquica.

A dona de casa, Verônica Galvão, percebeu que a filha, Maria Isabela, de 14 anos, estava utilizando telas mais do que o normal. O auge foi quando a menina passou a ser afetada na escola, com reflexo direto nas notas adicionadas ao boletim. “O tempo excessivo no celular estava prejudicando os estudos dela, tirando o foco e causando desconcentração”, afirmou. 

Governo Federal sancionou, em janeiro de 2025, a Lei nº 15.100/2025, que proíbe o uso de aparelhos eletrônicos por estudantes da educação básica durante o período letivo, exceto em situações pedagógicas autorizadas pelo professor ou por motivos de acessibilidade, saúde e segurança. 

A jovem, não utiliza o celular na escola. Segundo a mãe, ela passa a maior parte do tempo conectada a vídeos no YouTube, navegando em redes sociais ou em jogos online. “Quando precisa se desconectar, ela reclama”, lembrou. O diretor clínico da Clínica Apice e professor de Psiquiatria, Ivan Araújo Apice, apontou alguns cuidados que os pais e responsáveis devem observar:

  • Alterações bruscas de humor após o uso ou ao ser interrompido;
  • Irritabilidade, isolamento social, perda de interesse por outras atividades;
  • Queda no rendimento escolar, procrastinação excessiva;
  • Alterações no sono, cansaço durante o dia e inversão do ritmo circadiano;
  • Comportamento evasivo ou secreto em relação ao uso (mentir sobre o tempo de tela, esconder o celular);
  • Sintomas de ansiedade, depressão ou agitação quando está sem acesso à internet.

“As queixas mais frequentes incluem irritabilidade, instabilidade do humor, dificuldade de concentração, impulsividade, distúrbios do sono e sintomas de ansiedade. Além disso, a exposição crônica a estímulos digitais, especialmente a conteúdos rápidos, fragmentados e altamente recompensadores, pode favorecer um padrão de comportamento hiper estimulável e redução da tolerância à frustração”, informou o psiquiatra.

Segundo o profissional, os sinais devem ser acompanhados de forma empática, com escuta ativa, evitando punições rígidas e promovendo educação digital, com rotina balanceada e momentos offline compartilhados em família.

Problema de saúde física e mental

O uso excessivo de telas é um desafio crescente para a saúde física e mental de crianças e adolescentes no Brasil. Um estudo publicado no início de 2025 pela Revista de Saúde Pública, liderado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), revelou que adolescentes entre 11 e 18 anos passam em média mais de 9 horas diárias em dispositivos digitais, ultrapassando o limite recomendado de até 3 horas diárias pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Já o Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB) apontou que cerca de 33% das crianças de até 5 anos têm mais de 2 horas diárias de exposição às telas, um hábito que pode comprometer o desenvolvimento cognitivo e social nesta faixa etária. 

“A primeira infância (0 a 6 anos) é especialmente vulnerável, pois é nessa fase que ocorrem marcos fundamentais do desenvolvimento cerebral, como a linguagem, atenção sustentada, empatia e regulação emocional. A exposição precoce e excessiva a telas pode interferir na aquisição dessas competências e comprometer vínculos interpessoais”, explicou o psiquiatra.  

“Em paralelo, adolescentes entre 12 e 17 anos compõem outro grupo de risco devido à maior sensibilidade à recompensa social, ao sono irregular e à vulnerabilidade emocional típica do período. De acordo com dados do IBGE (PeNSE 2019), 89% dos adolescentes brasileiros entre 13 e 17 anos usam a internet diariamente”, continuou.

O médico alerta que o uso de telas não regulado pode evoluir para dependência digital ou comportamental com características semelhantes às adições químicas, como uso compulsivo, aumento progressivo do tempo de exposição, sintomas de abstinência, prejuízo funcional, emocional e social, embora ainda não exista um código específico para o chamado ‘vício em celular’ ou ‘dependência de redes sociais’ no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). 

“A primeira infância (0 a 6 anos) é especialmente vulnerável, pois é nessa fase que ocorrem marcos fundamentais do desenvolvimento cerebral, como a linguagem, atenção sustentada, empatia e regulação emocional. A exposição precoce e excessiva a telas pode interferir na aquisição dessas competências e comprometer vínculos interpessoais”, explicou o psiquiatra.  

“Em paralelo, adolescentes entre 12 e 17 anos compõem outro grupo de risco devido à maior sensibilidade à recompensa social, ao sono irregular e à vulnerabilidade emocional típica do período. De acordo com dados do IBGE (PeNSE 2019), 89% dos adolescentes brasileiros entre 13 e 17 anos usam a internet diariamente”, continuou.

O médico alerta que o uso de telas não regulado pode evoluir para dependência digital ou comportamental com características semelhantes às adições químicas, como uso compulsivo, aumento progressivo do tempo de exposição, sintomas de abstinência, prejuízo funcional, emocional e social, embora ainda não exista um código específico para o chamado ‘vício em celular’ ou ‘dependência de redes sociais’ no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). 

Ainda, ele destacou que o uso por mais de três horas diárias, especialmente para fins recreativos sem supervisão, está associado a maior risco de depressão, comportamentos autolesivos e insatisfação com a própria imagem.

“Há robustas evidências científicas associando o uso prolongado de redes sociais com o aumento dos sintomas de depressão, ansiedade social e sentimento de inadequação, especialmente entre meninas adolescentes. Em relação ao TDAH, estudos apontam que crianças com uso excessivo de dispositivos digitais apresentam piora da atenção sustentada, aumento da impulsividade e comportamento opositor, além de impacto negativo sobre o sono”, relatou Apice.

Verônica buscou alternativas para evitar a dependência e limitar o tempo de uso da filha. “Eu tento impor limites no celular dela usando um aplicativo específico", disse, ressaltando que em período de férias acaba sendo mais flexível. Ela conta ainda que passou a estimular atividades como da leitura ou momentos de interações sociais.

Controle parental

Ministério da Educação (MEC) e Secretaria de Comunicação (Secom) do governo federal, lançaram, neste ano, o guia ‘Crianças, Adolescentes e Telas’, destacando a importância do acompanhamento parental para promover o uso saudável de telas.

O servidor público federal, Alex Laurentino, por exemplo, explica que recorreu a métodos para restringir o tempo de tela no celular do irmão, Rafael Ferreira, de 15 anos. Ele passou a utilizar as configurações do controle parental, e assim, administrar os horários e os conteúdos acessados.

“Rafael sempre teve o tempo de tela controlado, desde o primeiro celular e também no videogame. Por isso, não conseguimos relacionar o antes e o depois, mas quando comparado com outras crianças de mesma idade, percebemos que existia uma diferença grande em aspectos importantes, como: socialização, em que sempre buscou interagir e estar presente nas conversas, e não dividindo atenção com o celular; rotina de sono, pois o celular dele bloqueia as 21 horas, e assim, não consegue ficar mexendo na cama ou antes de dormir; e atividades fora das telas, como brincar na rua com outras crianças”, pontuou Laurentino.

“Nós sempre fomos resistentes ao primeiro celular, que ele ganhou aos 10 anos e o videogame aos 12. Porém, como condição, já foi implantado os sistemas de controle de acesso, aplicativos permitidos e as limitações de tempo geral e por aplicativo. Aumentávamos o tempo no período de férias, porém, apenas 1 hora a mais do que a rotina padrão. Essa foi o único período em que ele pediu para aumentar, pois sabia que no restante do ano era inegociável”, continuou, ressaltando que o futebol é a atividade fora de tela mais praticada pelo jovem.

Por fim, o psiquiatra destaca a necessidade de propor o uso saudável de telas, com prioridade em conteúdos de qualidade, com supervisão ativa, respeitando a idade de cada pessoa. “O desafio contemporâneo não é proibir as telas, mas educar para o uso consciente e saudável, inserindo o diálogo, o exemplo parental e o equilíbrio como pilares da mediação digital. Promover espaços offline, reconectar crianças com o mundo real e cultivar experiências sensoriais, motoras e afetivas é uma missão compartilhada entre famílias, escolas e profissionais de saúde”, concluiu ele. 

por Vagner Ferreira

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